sábado, 11 de junho de 2011

Maria de Araújo e Francisca Carla - Arte e Fé no Cinema

A vida mais uma vez me coloca na pele de um ser humano incrível e, num viés paradoxal, internado em fé.  Ou posso dizer que empresto minha pele para que mulheres especiais possam reencarnar num outro momento histórico, coisa que a arte nos capacita a fazer nesta vida terrena. No final dos anos 1990 foi Maria de Araújo ( filme Milagre em Juazeiro, de Wolney Oliveira* ), aquela na qual a boca serviu de lugar para a operação de milagres, em companhia de Pe. Cícero, segundo a fé de milhares de pessoas que até hoje lotam as ruas de Juazeiro do Norte em procissão. Não que esse fato não tenha gerado desde o início mais do que polêmica e tenha-lhe custado ( à beata em questão ) a descrença por parte de autoridades clericais, sua liberdade e a levado ao ostracismo, reerguida à visibilidade só mais recentemente por pesquisadores, artistas, escritores e gente de fé. Foi de fato uma das experiências mais impressionantes que tive como atriz e que me valeu também uma transformação pessoal e artística.

Agora me vejo encarnando Francisca Carla, uma mulher sem rosto - diria mais: sem corpo -, falecida nos anos 1950, diagnosticada com hanseníase ( lepra ), uma doença estigmatizada e sobre a qual a sociedade ainda hoje sabe pouco ou quase nada, mesmo que a medicina tenha avançado e promovido tratamentos e cura. Após ter passado tanto tempo desde que simplesmente isolavam os hansenianos, ou leprosos, a sociedade ainda os mantem sob olhares e receios preconceituosos. Vale a pena conferir, por exemplo, o trabalho feito pelo Morhan-Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase Brasil afora, ou adentro, do qual participam Ney Matogrosso e Elke Maravilha, também atores no filme Francisca Carla-Narrativas de Devoção, de Natal Portela (*).

Francisca Carla foi exilada nas matas de Tianguá até a morte, sem direito a nenhuma aproximação humana, nem mesmo de animais, desde um diagnóstico feito a partir de observação superficial, às pressas, segundo alguns relatos. Enquanto trabalhava nas gravações do filme e avançava nas matas onde  ela viveu seus últimos anos, me perguntava como era possível a um ser humano viver numa exclusão tão radical com tanta resignação e ter se transformado num ícone de fé ali mesmo, na cidade que a excluiu. Francisca Carla não somente dá nome a ruas, lojas, farmácias em Tianguá. A ela as pessoas da cidade e de outros lugares recorrem em desespero na busca da solução milagrosa de seus problemas. Ela ainda é tema de livro, pesquisa acadêmica e agora de filme*.

Não tenho a intenção aqui de explorar e aprofundar reflexão sobre esses dois mitos da religiosidade brasileira; deixo a outros mais afeitos e preparados a essa tarefa . Gostaria apenas de ressaltar aqui a sincronicidade presente no encontro com essas mulheres, como essa relação entremundos passou a ter força no desenrolar dos fatos de minha vida pessoal e profissional e como o cinema, nesses casos, serviu de ponte muldimensional. Não é incomum acontecer coisas assim também no caso da música, do teatro, do Rádio, que são as linguagens com as quais mais me afino e mais pratico. Não tenho dúvidas de como a arte e a fé guardam relação estreita entre si e como essa intimidade entre ambas gera uma força de transformação na vida, mudando paradigmas. Aliás, me parece que não há arte sem fé e nem fé que não transforme algo em objeto de beleza e transcendência. E, por que não, de cura!

*os filmes Milagre em Juazeiro, de Wolney Oliveira ( Mostra Religião e Religiosidade em Juazeiro do Norte ), e Francisca Carla-Narrativas de Devoção, de Natal Portela ( Exibições Especiais no Espaço Unibanco, Dragão do Mar, Sala 1, domingo, dia 12, às 20 horas ), estão na programação do www.cineceara2011.com. Programação aberta ao público.

sobre os filmes:
*http://arquivoxdecinema.blogspot.com/2011/04/milagre-em-juazeiro-de-wolney-oliveira.html
*http://jornalibiapaba.com.br/?pg=entretenimento&v=1&enquete=5&opcao=20&id=255

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