sábado, 19 de fevereiro de 2011

Rataplã

    Rataplã,
é chegada a hora
de resgatar o verso suprimido,
sequestrado

É a hora
de reaver a dor interrompida
trespassada

    Rataplã,
eis que volta a esperança
de descoagular o grito engasgado,
enrouquecido

É a hora
de reatar o ato das mãos desatadas,
desfraldadas

    Rataplã,
é chegada a hora
de desrepresar o beijo desbeijado,
resfolegado

    Companheiro,
o tambor é nosso:
RA-TA-PLÃ!

                         Franzé Rodrigues

                                                              Para a Marta, musicalmente!
                                                              05.10.85

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

caos, fragmentos e voz poética

Dir-se-ía que muitas vezes é o livro que nos escolhe a lê-lo. Assim ocorreu hoje pela manhã na Livraria Cultura, onde passei mais para um café do que para buscar livros, pois que havia saído apressada, sem comer nada, para uma sessão de acupuntura nas imediações da livraria. Sem falar - a pedido do médico otorrinolaringologista - devido a uma laringite que incomoda há dias, me pus a pensar e a curtir o tempo que me foi dado às terapias de recuperação da voz e da saúde.

Sentada, aguardando o café pedido, levantei-me e fui a uma das prateleiras à minha frente e dei de cara com a Poética do Devaneio ( La Poétique de la Rêverie ), de Gaston Bachelard, que, como quem responde a perguntas feitas e outras por fazer no contexto do pensamento sobre a voz poética - pesquisa que aguarda minha dedicação - foi me presenteando com chaves que poderão abrir portas adiante, como, por exemplo, a escolha do método fenomenológico de pesquisa que levaria "a tentar a comunicação com a consciência criante do poeta".

Método e pesquisa à parte, agora me ocupo de indagar a que mesmo responde Bachelard, no caso dos meus devaneios e sonhos, tendo ele escrito na perspectiva da Anima. Essa é outra chave, pressinto. Somente a leitura me dirá se responderá ou não essa obra a quaisquer questões que me acompanham mais íntimamente. A questão de agora é como um pressentimento, um sonho ou um devaneio não trazido ainda à luz da consciência. Ela se antecipa às respostas porque ainda mergulhada na fonte das imagens primevas. Ainda, antes da palavra esclarecedora, ela é pura sonoridade, como diria Andréa Drigo, prestes a soar uma voz, uma música ou uma poesia.

Sem poder falar há dias, escuto minha voz num estágio de pré-expressividade poucas vezes entoada. A cada vez que calamos, escutamos. Calar e escutar enaltecem a sonoridade da voz que por sua vez - deseja-se! - soará acústicamente plena.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Violões: Felipe Breier, Marco Leonel Fukuda e Iago
Cuíca: Aristides Neto

PLUGADA E SOLVENTE - SESC IRACEMA - FOTO: IAGO


Identidade, de Mia Couto

Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"


domingo, 13 de fevereiro de 2011

ADEUS ( letra de Marta Aurélia musicada por Aluísio Gurgel - de 2006 )

falei coisas para ele
nada de pedir para ficar
nada de pedir para voltar
na verdade, sussurrei
e ele começou a chorar
também chorei
mas me contive e deixei
que ele chorasse mais um pouco
que ele chorasse um pouco mais
que ele chorasse mais um pouco
que ele chorasse um pouco mais
do que eu

e levantei
e me vesti
e me arrumei
e disse adeus!

Acústica e Movente no Foyer do TJA: foto de Marcos Vieira

final de 2010

Plugada e Solvente - estréia no Sesc Iracema - 11 de fevereiro de 2011

Foto: Rogério Mesquita

Programa Porque Hoje é Sabado em 06-12-2010

ao lado de minha amiga Grazy Costa e Fabinho Monteiro, apresentadores do programa Porque Hoje é Sabado, da TV O povo

BILRO, letra e música de Marta Aurélia

a vida gira
o mundo gira
giramos todos
nessa bola de cristal
vejo você que gira
e eu que também giro
giro no bilro da tua mão
e no sorriso da tua mãe

a felicidade é para mim o giro
de toda emoção
e toda inspiração
da vida que torna
a girar infinda

se você gira em minha mão
vejo que nas linhas da tua
muitos ainda circularão

aquele que te come o pão
aquela que no colo te põe
órfão de pai e mãe

a vida gira
o mundo gira
giramos todos
nessa bola de cristal

da teia que tece o teu bilro
gira meu coração
da teia que tece o teu bilro
gira meu coração

( CD Bilro - em produção )

sábado, 12 de fevereiro de 2011

ÍNTIMA, letra e música de Marta Aurélia ( CD Síntese )

passo noites em claro
recriando andamentos e passos
noite sozinha em meu quarto
confio na cumplicidade do silêncio
do silêncio
pra que os pensamentos fiquem claros
e os sentimentos

muito do meu dia confundo
o passar das horas
passo a passo cada vez mais raro
me acomodo no caos
busco no palheiro a agulha
que tecerá outro ponto
na harmonia dos nós
e a sós nesse vão
sou mais íntima, mais íntima,
mais alma,
mais drão*...

..........................................................
*Drão ( música de Gilberto Gil )

RASTRO, letra e música de Marta Aurélia ( CD Síntese )

A cidade dorme
nessa hora vaga
Vago sem eira e nem sei
se por onde passo
há vida que me acompanhe o passo
me acompanhe o passo

Cada poste dá à luz
o que meus olhos nem sei se vêem
Só sei que passo
e cada vez mais para trás
vou deixando rastro

Pulsa a vagar pela rua
coração farto
um astro sem nome
um fantasma
um mergulho
um rompante
a saudade

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Terapia da Lingua, de Marta Aurélia

entre palavras e saliva
vai a lingua sobre superfície
ora plana, ora protúbera
de teu corpo
avança a lingua
com sua estrutura malemolente
nada fixa
movente
por entre as dobras de teu corpo
ora são os sentidos
ora são os predicados que acompanham
esse corpo que fala
que suspira
que geme
que grita
que lambe
que goza
constrói-se assim linguagem única,
uma poética de  sentidos.

Vozes

As vozes que escutamos ao longo da vida são também as vozes que nos constituem. Parte de nós está relacionada ao que entra através dos nossos ouvidos e penetra o nosso ser de várias formas. Algumas vezes são vocalizações suaves e delicadas, outras vezes agressivas, tempestuosas e até mesmo violentas. Algumas vozes se tornam tão marcantes que é possível que continuemos a escutá-las por muito tempo, mesmo quando seus locutores não estejam presentes, guardadas na memória. Memória afetiva. Em algum lugar do passado, num momento fortuito, soou um canto inesquecível. O momento se foi porém o canto até hoje está vivo nas entranhas fazendo emergir emoções revisitadas ou até mesmo novas emoções. Fazendo emergir também outra voz. Uma voz atravessada por outras que, mergulhadas no esquecimento ou não, podem a qualquer momento soar no presente.

Marta Aurélia

DRISHTI, poema de Marta Aurélia

Olhar de Buda
olhar de Brook
olhar de Vigo
das mulheres de Kodax
de Wenders
de Saramago
através da janela de quem vê com tudo
com as vísceras
com a veia
com a nuca
com a respiração
Olhar no além
para além dos olhos
para além da alma
para além do além
Olhar calmo
olhar no tempo de enxergar
olhar de pescador
de meditador
de quem medita a cor e a flor do mundo
no fundo é como existirmos em alma sem dor

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Acústica e Movente no Foyer do TJA: momentos

Foyer do Theatro José de Alencar
com Ivan Timbó ao piano
com Marco Leonel Fukuda ao violão
Fotos: Fernanda Oliveira

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

ao léo

Um tanto à deriva, perde ele as contas dos passos que dá. Era só reminiscência de infância a brincadeira de contar os passos. Um, dois, três pareceu ouvir o som de sua própria voz quando contava para, ao se escutar, sentir-se acompanhado de alguém, no caso, de si mesmo. Por instantes, a incrível paisagem lhe remeteu ao dia em que passeava colado à saia de sua mãe, quando teve sua primeira experiência de sublime que sua memória alcança neste momento. Sua mãe tinha o poder de lhe fazer sentir-se livre. Talvez pressentisse sua ida precoce.

Diante do infinito, entretanto, amedrontou-se. Nunca havia se deparado com algo tão imenso que seus olhos não pudessem medir. Assaltou-lhe um instante de vertigem, como se o chão fugisse aos seus pés. Sentiu medo de se desligar de sua mãe. Imaginou, repentinamente, que ela desapareceria no horizonte sem fim levada pelo vento e por isso agarrou sua mão com força. Tanta força que ela lhe sorriu com carinho esclarecedor, e, como quem entende o que se passa com o menino diante do mundo dos grandes, sussurrou, confortando-lhe, um breve não tenha medo, estou aqui.

Era tudo que ele precisava naquele momento. Sentir-se seguro no colo de sua mãe. Voltou a contar os passos, quebrando a linha da memória, para seguir. Algumas lágrimas desceram discretamente lhe renovando a disposição diante da paisagem. O vento lhe tocava a pele de modo que se sentia acolhido por tudo que lhe cercava. Sentiu-se parte daquele lugar, desde a vegetação aos animais que menos via e mais ouvia. Sentiu-se parte do próprio vento, parte de tudo. Não precisava correr, apenas ser, daquele jeito, ali. Sua caminhada era um estado interior que acolhia a concretude do seu ser. Sorriu à sua sorte e à saudade!