Dir-se-ía que muitas vezes é o livro que nos escolhe a lê-lo. Assim ocorreu hoje pela manhã na Livraria Cultura, onde passei mais para um café do que para buscar livros, pois que havia saído apressada, sem comer nada, para uma sessão de acupuntura nas imediações da livraria. Sem falar - a pedido do médico otorrinolaringologista - devido a uma laringite que incomoda há dias, me pus a pensar e a curtir o tempo que me foi dado às terapias de recuperação da voz e da saúde.
Sentada, aguardando o café pedido, levantei-me e fui a uma das prateleiras à minha frente e dei de cara com a Poética do Devaneio ( La Poétique de la Rêverie ), de Gaston Bachelard, que, como quem responde a perguntas feitas e outras por fazer no contexto do pensamento sobre a voz poética - pesquisa que aguarda minha dedicação - foi me presenteando com chaves que poderão abrir portas adiante, como, por exemplo, a escolha do método fenomenológico de pesquisa que levaria "a tentar a comunicação com a consciência criante do poeta".
Método e pesquisa à parte, agora me ocupo de indagar a que mesmo responde Bachelard, no caso dos meus devaneios e sonhos, tendo ele escrito na perspectiva da Anima. Essa é outra chave, pressinto. Somente a leitura me dirá se responderá ou não essa obra a quaisquer questões que me acompanham mais íntimamente. A questão de agora é como um pressentimento, um sonho ou um devaneio não trazido ainda à luz da consciência. Ela se antecipa às respostas porque ainda mergulhada na fonte das imagens primevas. Ainda, antes da palavra esclarecedora, ela é pura sonoridade, como diria Andréa Drigo, prestes a soar uma voz, uma música ou uma poesia.
Sem poder falar há dias, escuto minha voz num estágio de pré-expressividade poucas vezes entoada. A cada vez que calamos, escutamos. Calar e escutar enaltecem a sonoridade da voz que por sua vez - deseja-se! - soará acústicamente plena.
Marta Aurélia,
ResponderExcluirhoje em Recife choveu de forma incomum; chuva intensa durante toda a noite, chuva branda, miúda, constante, caindo num domingo de bailes, de prévias e blocos cantando os saudosos sons de carnaval...
eu passei o dia a ler o mesmo Bachelard que lhe pegou de instante, cativou, pelo convite ao devaneio, sua vontade. Estou lendo 'A água e os sonhos', e a imaginação sobre as águas flutua, profunda, no que venho pensando e escrevendo sobre as correntezas do rio Jaguaribe.
Sempre que chove, o dia assume para mim um ar com enlevos de doçura.
O devaneio da doçura está ligado às águas dos rios, chuvas e fontes, pois que o sal dos mares entrava os sonhos suaves, e portanto, sonhos de doçura. Isso eu associei às minhas próprias sensações positivas (adocicantes) com os dias chuvosos, e na força do que Bachelard chama de 'vida profunda'das metáforas, da imaginação natural.
"a verdadeira poesia é uma função do despertar". isso que vc escreveu sobre calar e escutar, opera semelhante ao que disse Bachelard sobre a poesia, o devaneio. antes sonhamos, e no ato de despertar, é que produzimos a poesia. sao os sonhos que alimentam a vida 'desperta'; é de 'dentro' para 'fora' que imaginamos, e para Bachelard, é no plano da imaginação e denvaneio, que primeiro vivemos.
Marta, por fim, ao ler o seu texto, fiquei com saudades de nossos cafés e conversas, 'devaneios' longos em manhãs cheias de doçura.
Lendo-a, vi, ouvi, senti que a sua voz 'de dentro' é tão impactante, me agrada tanto quanto a sua 'voz de fora'; os sons de suas vozes se fazem, a mim, sempre bons, sempre belos.
"O mar é fabuloso por que se exprime pelos lábios do viajante da mais longíncua viagem. Ele fabula o distante" (G.Bachelard)
Beijos, querida minha.