segunda-feira, 28 de março de 2011

EL CASTILLO FANTASMA

En el más verde de nuestros valles,
   Donde habitan los ángeles,
Había un castillo -
   Un castillo espléndido
Que alzaba su radiante frente
   En el reino del pensamiento.
Jamás serafín tendió sus alas
   Sobre edificio más soberbio.

Y hoy los viajeros, en aquel valle,
   Por ventanas color de fuego,
Ven grandes formas bullir fantásmas,
   Discordes músicas siguiendo;
Mientras cual turbio, rápido río,
   Por el lívido portal abierto,
se lanza la tórrida turba
Riendo - ya nunca más sonriendo.

                                                    Edgar Allan Poe

domingo, 27 de março de 2011

O teatro, a vida e eu... percursos, descobertas e intensidades! ( 1 )

Quando me vi, pelos idos dos anos 1980, estava envolvida com pessoas de teatro, indo ao teatro pelo que há de mais dentro nele: ensaios de peças teatrais, e depois provando daquilo que o constitui, essencialmente, que é a relação do ator com o público. A Noite Seca, de Geraldo Markan, foi a primeira peça da qual participei, a convite do próprio autor, de forma súbita, por ocasião da saída de uma das atrizes ( Mércia ) justamente numa das vezes que presenciei a reunião do grupo, levada por um dos amigos atores ( Júlio César Maciel ).

Sentada no chão de uma das salas do DCE - Diretório Central dos Estudantes da UFC, no centro de Fortaleza, apreciando os exercícios conduzidos pelo diretor, Guaracy Rodrigues, surpreendida com o convite feito por Markan, não lembro nem de ter respondido e já me vi caminhando pelo fio imaginário no qual treinávamos todos o equilíbrio-desequilíbrio que caracteriza a cena teatral. A peça fora censurada pela polícia federal e só pudemos apresentá-la a portas fechadas no auditório da Faculdade de Direito da UFC e depois no Festival de Teatro promovido pela Confenata em 1983, onde vivemos durante mais de 10 dias uma das experiências teatrais e de vida mais intensas e que repercutiram para além daquele labirinto criativo que eram as dependências do Teatro Taib, no centro de São Paulo.

A próxima experiência teatral veio a convite de Fernando Piancó - que havia trabalhado em A Noite Seca - para integrar o elenco de LABIRINTO ou aqui julgam que és néscio mas se cochilar o cachimbo atrasa, o relógio entorta, a cabeça afrouxa, o parafuso cai, o periquito assobia e tu ó!, com texto e direção de Artur Guedes. Guedes foi um dos grandes diretores e dramaturgos em Fortaleza na década de 1980 e para além desses anos. Irreverente, exigente e criativo, vivi com ele alguns dos momentos mais instigantes do fazer teatral  nesse período, seja nos palcos convencionais, na rua, no rádio, nos bares ou outros espaços da cidade. Com ele aprendi que não é o espaço físico que determina o teatro que vamos fazer mas a ação que escolhemos para compartir com o público. Assim, sentíamo-nos livres para atuar em qualquer lugar.

No final dessa década, outro convite me deu oportunidade de mais uma guinada nessa vivência com o palco. Joca Andrade me liga do Theatro José de Alencar para fazer inscrição no curso de interpretação para atores ministrado por Maurice Durozier e George Bigot, do Thêàtre du Soleil. Eu estava um tanto desestimulada, havia saído do Grupo Raça de Teatro, vivia uma crise existencial e de valores estéticos. Num primeiro momento recusei, ele insistiu, disse que eu não tinha nada a perder, caso não gostasse era só sair. Uma centelha intuitiva acendeu e fui. E foi como uma longa viagem sem volta. A vida no palco sob a condução desses dois admiráveis atores foi de uma radicalidade que me transformou para sempre e criou vínculos afetivos que também permaneceram. Com Maurice de volta a Fortaleza, 20 anos depois, tive outras intensas experiências teatrais, em 2008 e 2010, o que fez ampliar nossa relação de amizade, teatral e musical. Com ele ficou mais claro para mim o chão, constituído da relação música-teatro, por onde a arte me leva.

Alguns espetáculos surtiram também efeito transformador em minha vida. Um deles foi O Castelo de Holstebro, no início dos anos 1990, no Theatro José de Alencar. Foi o primeiro contato com a obra do Odin Teatret, de Eugenio Barba, e com a presença cênica impressionante de Julia Varley. Seja do alto das pernas de pau onde equilibrava a figura híbrida de Mr. Peanut ou, em plano baixo, recitando um poema num barco à deriva que atravessava o palco numa lentidão envolvente, Varley abriu para mim, definitivamente, a poética da cena teatral. Quase duas décadas depois pude confirmar isso com o seu retorno ao mesmo palco, seja ao reencontrar Mr. Peanut, agora sem pernas de pau, mais amadurecido, seja com Doña Musica, uma bela encenação poética de sua relação com o diretor e sua personagem, seja fazendo demonstrações técnicas de seu trabalho como atriz durante palestras de Barba.

sábado, 12 de março de 2011

Dingo e Mamãe Memésia: a poética do vivido...

Desde os tempos mais remotos de minha infância, na mais brumosa lembrança, mora em mim o gosto pela poesia. Digo que o gosto mora em mim porque tenho a sensação de que é algo que independe de minha vontade, não é algo que eu tenha escolhido como quando escolho com quem morar. A poesia me acolhe, por exemplo, na travessia entre certas lembranças que tenho de minha infância em Banabuiú e a projeção que faço destas a partir do que sou hoje. É como se não tivesse vivido de fato tudo o que lembro do que vivi naquele período em que morava na Rua do Arame, vizinho à casa de D. Nemésia, que eu chamava de Mamãe Memésia, e seu marido, Seu Domingos, que eu chamava Dingo.

Dingo e Mamãe Memésia são como personagens de um conto de fadas. Filha de uma jovem mãe inexperiente e um pai que se ausentava constantemente devido às viagens a trabalho, tinha no casal a acolhida afetiva própria às famílias calorosas e amorosas, com suavidade e delicadeza. O terreiro de sua casa era lugar de encontro da vizinhança que sentava nos bancos dispostos em círculo sob uma bela algaroba para narrar e ouvir histórias, recitar poesia de cordel ou mesmo jogar conversa fora. Eu estava sempre por perto, muitas vezes atraída e amedrontada, devido à descrição de histórias e personagens fantásticos e também ao suspense que caracterizava a maior parte das narrativas. Costumava, então, correr para dentro da rede, mantida permanentemente armada no corredor da casa. Cobria-me toda com lençol e com a varanda da rede e era comum sentir que, por mais coberta que estivesse, nada me impedia de quase ver o objeto amedrontador. Sentia como se atrás de mim tivesse ido toda a legião de personagens dos quais eu havia fugido.

Até hoje tenho dúvidas se alguém mais real, que eu suspeitava pudesse ser um dos filhos do casal, se divertia aproximando-se lentamente e mexendo na rede elevando assim meu estado de medo ao terror absoluto. Nesse instante até a respiração paralisava. Essa era a única hora do dia em que meus prediletos vizinhos, envolvidos na trama noturna de sua imaginação, se transformavam em seres estranhos e fantasmagóricos, muitas vezes transformando meus sonhos em pesadelos.

Nada disso, entretanto, me afastava dali nem tampouco manchava a doce imagem que eu tinha de Dingo e Mamãe Memésia, e o afeto que eu sentia - e sinto - por eles. Quando nascia o dia seguinte, eu contava as horas e os passos de volta à misteriosa casa de sonhos. Sempre via Dingo saindo. Ele costumava caminhar muito pela cidade. Nunca soube exatamente porque caminhava tanto, mas, certamente, tem a ver com o fato de que era o provedor da casa. Alto, magro e de cabelos de algodão, mantinha um eterno sorriso afetuoso no rosto e sua fisionomia se aproximava a de um duende. Parecia acolher a todos do mesmo modo, com infinita bondade, para além do lar, para além da cidade.

Enquanto Dingo, para mim, era a cidade, o mundo, Mamãe Memésia era a casa, o lar. Ela parecia não sair nunca, estava sempre ali, cuidando de tudo, com sua marcante quietude. Além de cozinhar no seu fogão à lenha, mantinha tudo limpo, arrumado. Era guardadora de mistérios. Eu caminhava por toda a casa procurando vestígios do que se passara à noite. A longa casa - janelas e portas abertas, corredor do quintal ao terreiro, a claridade do dia ocupando-a por inteiro, os afazeres domésticos de um cotidiano comum - não parecia ser locação de viagens e performances de seres de outros mundos. Parecia, entretanto, que todo o trabalho diurno de Mamãe Memésia tinha por objetivo cobrir com o manto do mistério os vestígios da noite.

Mesmo assim, eu tinha a impressão, algumas vezes, que os objetos da casa suspiravam, gemiam, falavam com vozes tênues, chamando-me. Não devia ser mesmo uma tarefa fácil fazer com que se aquietassem enquanto nos movíamos entre eles. Eu dava voltas numa incansável investigação da presença do mundo para onde viajara à noite. Ele estava ali, em algum lugar, eu sabia. Talvez dentro do baú, um dos móveis com que mantinha uma relação mais estreita. Pequena, me metia nele, entre lençóis e colchas de cama, inalando o delicioso cheiro de tudo, até que Mamãe Memésia vinha me chamar oferecendo alguma guloseima, no que eu atendia prontamente.

Já vai longe esse tempo. Depois que vim morar em Fortaleza perdi contato físico com os dois e não saberia dizer quando Dingo e Mamãe Memésia passaram a morar nesse lugar da minha memória entre o sonho e a realidade. Sei que ainda posso sentir seu cheiro, ouvir suas vozes, sentir seu calor. E que suas imagens e seu afeto me inspiram e me acompanham sempre.

terça-feira, 8 de março de 2011

"A amizade é a condivisão* que precede toda divisão, porque aquilo que há para repartir é o próprio fato de existir, a própria vida. E é essa partilha sem objeto, esse com-sentir originário que constitui a política" Giorgio Agamben

*condivisão: o compartilhar

segunda-feira, 7 de março de 2011

SER GRANDE

"Para ser grande, sê inteiro:
Nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha,
Porque alta vive."

Fernando Pessoa

domingo, 6 de março de 2011

Devaneando: entre Olhos de Cão Azul e A Poética do Devaneio I

Li o conto Olhos de Cão Azul, de Gabriel Garcia Marquez, há muitos anos, e ele me marcou de um modo que ainda descortino para mim mesma aos poucos. É, além de uma experiência estética, uma experiência também psicanalítica. Minha relação com sonhos sempre foi muito forte desde a mais tenra idade. Recordo-me de alguns que tive ainda na fase quase bebê. Na verdade tenho uma memória desse tempo bem ativa. Fatos extraordinários são muito vivos na galeria de imagens de minha memória. Geralmente figuram num espaço intermediário entre o sonho, o devaneio e o campo da cotidianidade. Às vezes se faz nebulosa a linha que definiria qualquer dessas áreas.

A cotidianidade, por vezes tida como o que levaria - ilusoriamente - ao sempre, ao eterno, interrompe-se, abruptamente ou não, com o imponderável, com o impermanente, com o perecível. O sonho nem sempre goza do status atribuído ao cotidiano, mesmo que nem possamos desvincular um do outro. Crê-se imediatamente que é sonho o sonho, ilusão imanente. Somos, por excelência, sonhadoras e o que seria da humanidade sem os sonhos? Muitas vezes nos dão matéria prima para a melhor compreensão de nós mesmos. Na experiência noturna, somos capazes de sonhar , vertiginosamente, muitos sonhos diferentes e nem sempre recordamos todos eles. Mas sonhos são, também, estranhos e " A estranheza de um sonho pode ser tal que nos parece que um outro sujeito vem sonhar em nós". No devaneio, entretanto, a solitude nos acompanha. É um estado da alma, "um fenômeno da solidão, um fenômeno que tem sua raiz na alma do sonhador". Somos, na solidão do devaneio, criantes, inclinadas a criar condições para fazer emergir a poesia. Bachelard, no encalço dos adjetivos úteis a dizer poéticamente, chamará de "devaneio poético", "devaneio cósmico" esse estado da alma que produz "matéria mais propícia para ser modelada em poemas".

Alguns sonhos chegam à consciência e estes talvez passem a ocupar a galeria dos que serão lembrados. Aqueles com os quais - talvez - dialogaremos numa instância que poderá interferir, de forma transformadora, nos passos que daremos no dia a dia. O devaneio é essa dimensão que nos coloca diante de um novo tempo. Um tempo de descanso, de paz, de felicidade. "Existem faixas de tranquilidade em meio aos pesadelos" dirá nosso filósofo francês. Sonhos, devaneios e cotidianidade constituem, assim, uma tríade que nos projeta à dança da vida.

Na solidão de minha alcova, numa experiência de 'onirismo desperto', ruminando A Poética do Devaneio, no que concerne ao feminino das palavras, ao conflito entre o masculino e o feminino no interior da linguagem ( temas para outra escritura ), assalta-me a lembrança do tempo que vivi, mais intensamente, a repercussão na mente e no corpo, da leitura de Olhos de Cão Azul. Mais que uma leitura uma vivência, que também é leitura. Como a personagem feminina do conto de Gabriel Garcia Marquez, saía por aí procurando aquele que me aparecia em sonhos. Escrevia em cadernos, agendas e, em alguns lugares por onde passava; em arroubos de absurda inclinação, ensaiava deixar escrito Olhos de Cão Azul. Passados muitos anos, decidi que levaria isso ao teatro ou ao cinema, dada a insistente centelha que ainda queimava. De algum modo, precisava contemplar essa demanda do espírito, da alma, surgida no encontro onírico com tais personagens.

Certa vez fui surpreendida por um amigo, também ator, que me fez o convite para que encenássemos esse conto. Viver no palco o casal que se encontra durante anos em sonhos e que, ao acordar, ele esquece e ela o procura por todos os lugares sem sucesso. Após o período em que nos afastamos - eu e meu amigo - e após reencontro e pacificação, pergunto-me se essa encenação contemplaria os anseios instigados e ilustrados pela leitura do conto de Marquez.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Espetáculo Estritamente Feminino

Cristina Francescutti, Marta Aurélia, Késia, Christiane Gomtos,
Lucinha Menezes e Lily Alacalay
Produção: Maira Sales
Direção: Clóvis Levy
*Tínhamos, na primeira formação desse elenco, a presença de Ana Fonteles, que saiu pouco tempo depois para morar nos Estados Unidos


quinta-feira, 3 de março de 2011

"O devaneio, tão diferente do sonho noturno, tantas vezes marcado, este último, pelos duros acentos do masculino, nos aparece, com efeito - desta vez para alem das palavras -, como sendo de essência feminina. O devaneio vivido no sossego do dia, na paz do repouso - o devaneio verdadeiramente natural -, é a potência mesma do ser em repouso. É verdadeiramente, para todo ser humano, homem ou mulher, um dos estados femininos da alma" Gaston Bachelard ( A Poética do Devaneio )

terça-feira, 1 de março de 2011