domingo, 27 de março de 2011

O teatro, a vida e eu... percursos, descobertas e intensidades! ( 1 )

Quando me vi, pelos idos dos anos 1980, estava envolvida com pessoas de teatro, indo ao teatro pelo que há de mais dentro nele: ensaios de peças teatrais, e depois provando daquilo que o constitui, essencialmente, que é a relação do ator com o público. A Noite Seca, de Geraldo Markan, foi a primeira peça da qual participei, a convite do próprio autor, de forma súbita, por ocasião da saída de uma das atrizes ( Mércia ) justamente numa das vezes que presenciei a reunião do grupo, levada por um dos amigos atores ( Júlio César Maciel ).

Sentada no chão de uma das salas do DCE - Diretório Central dos Estudantes da UFC, no centro de Fortaleza, apreciando os exercícios conduzidos pelo diretor, Guaracy Rodrigues, surpreendida com o convite feito por Markan, não lembro nem de ter respondido e já me vi caminhando pelo fio imaginário no qual treinávamos todos o equilíbrio-desequilíbrio que caracteriza a cena teatral. A peça fora censurada pela polícia federal e só pudemos apresentá-la a portas fechadas no auditório da Faculdade de Direito da UFC e depois no Festival de Teatro promovido pela Confenata em 1983, onde vivemos durante mais de 10 dias uma das experiências teatrais e de vida mais intensas e que repercutiram para além daquele labirinto criativo que eram as dependências do Teatro Taib, no centro de São Paulo.

A próxima experiência teatral veio a convite de Fernando Piancó - que havia trabalhado em A Noite Seca - para integrar o elenco de LABIRINTO ou aqui julgam que és néscio mas se cochilar o cachimbo atrasa, o relógio entorta, a cabeça afrouxa, o parafuso cai, o periquito assobia e tu ó!, com texto e direção de Artur Guedes. Guedes foi um dos grandes diretores e dramaturgos em Fortaleza na década de 1980 e para além desses anos. Irreverente, exigente e criativo, vivi com ele alguns dos momentos mais instigantes do fazer teatral  nesse período, seja nos palcos convencionais, na rua, no rádio, nos bares ou outros espaços da cidade. Com ele aprendi que não é o espaço físico que determina o teatro que vamos fazer mas a ação que escolhemos para compartir com o público. Assim, sentíamo-nos livres para atuar em qualquer lugar.

No final dessa década, outro convite me deu oportunidade de mais uma guinada nessa vivência com o palco. Joca Andrade me liga do Theatro José de Alencar para fazer inscrição no curso de interpretação para atores ministrado por Maurice Durozier e George Bigot, do Thêàtre du Soleil. Eu estava um tanto desestimulada, havia saído do Grupo Raça de Teatro, vivia uma crise existencial e de valores estéticos. Num primeiro momento recusei, ele insistiu, disse que eu não tinha nada a perder, caso não gostasse era só sair. Uma centelha intuitiva acendeu e fui. E foi como uma longa viagem sem volta. A vida no palco sob a condução desses dois admiráveis atores foi de uma radicalidade que me transformou para sempre e criou vínculos afetivos que também permaneceram. Com Maurice de volta a Fortaleza, 20 anos depois, tive outras intensas experiências teatrais, em 2008 e 2010, o que fez ampliar nossa relação de amizade, teatral e musical. Com ele ficou mais claro para mim o chão, constituído da relação música-teatro, por onde a arte me leva.

Alguns espetáculos surtiram também efeito transformador em minha vida. Um deles foi O Castelo de Holstebro, no início dos anos 1990, no Theatro José de Alencar. Foi o primeiro contato com a obra do Odin Teatret, de Eugenio Barba, e com a presença cênica impressionante de Julia Varley. Seja do alto das pernas de pau onde equilibrava a figura híbrida de Mr. Peanut ou, em plano baixo, recitando um poema num barco à deriva que atravessava o palco numa lentidão envolvente, Varley abriu para mim, definitivamente, a poética da cena teatral. Quase duas décadas depois pude confirmar isso com o seu retorno ao mesmo palco, seja ao reencontrar Mr. Peanut, agora sem pernas de pau, mais amadurecido, seja com Doña Musica, uma bela encenação poética de sua relação com o diretor e sua personagem, seja fazendo demonstrações técnicas de seu trabalho como atriz durante palestras de Barba.

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